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Inteligência de Mercado

Este texto teve a colaboração de Jaine Gomes e Vitor Andrioli.

Moedas, termos de troca e fertilizantes: evolução recente e perspectivas

Desvalorização recente das moedas emergentes apresenta impactos divergentes no mercado de fertilizantes de Brasil, Índia e China

De maneira generalizada, as moedas de economias emergentes desvalorizaram-se nos últimos 12 meses diante do dólar, refletindo a piora nas perspectivas para o crescimento da economia mundial em 2019 e 2020. Como pano de fundo dessa revisão negativa para as projeções para o PIB global, é possível listar como principais fatores as incertezas associadas à guerra comercial travada entre Estados Unidos e China e ao processo turbulento de saída do Reino Unido da União Europeia.

Ao mesmo tempo, o pessimismo com os resultados da economia real acentuou a cautela nos mercados financeiros e a demanda dos investidores por segurança, conferindo suporte à moeda americana. Desde junho de 2018, o dólar ganhou terreno frente a outras divisas de economias emergentes e de economias avançadas, acumulando valorização de cerca de 2,8%.

Mais recentemente, as preocupações com os efeitos das disputas tarifárias sobre o desaquecimento da economia mundial passaram a acometer também as expectativas para a manutenção do ritmo de crescimento da economia americana e para a retomada da economia da zona do euro. Em suas falas mais recentes, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e seu homólogo do Banco Central Europeu (ECB), Mario Draghi, sinalizaram mudanças no tom da política monetária e passaram a sugerir a necessidade da adoção de novas rodadas de estímulo. Prováveis cortes de juros e condições financeiras mais afrouxadas nos Estados Unidos e na Europa nos próximos meses tendem a favorecer os ativos de maior risco, como os mercados acionários e os mercados de commodities, assim como as moedas e os ativos de economias emergentes.

 Brasil

O real brasileiro esteve entre as moedas emergentes com comportamento mais volátil nos últimos 12 meses, oscilando cerca de R$ 0,56 entre as máximas e mínimas do período. Apesar de passado o processo eleitoral conturbado do último ano, que levou o par dólar/real a registrar sua máxima histórica acima de R$ 4,20, as preocupações com o cenário político continuaram a manter o real pressionado por boa parte deste ano.

Em meados de junho de 2019, os avanços na tramitação da reforma da Previdência na Câmara e a expectativa de que a medida possa ser aprovada pelo Congresso no início do próximo semestre contribuíram para a valorização da moeda brasileira. Progressos concretos em medidas que promovam o ajuste fiscal, como as alterações nas regras para aposentadorias e pensões, devem reforçar a confiança dos agentes econômicos e intensificar o fluxo de entrada de recursos na economia brasileira, criando mais espaço para o fortalecimento do real no médio prazo.

No que tange o mercado de fertilizantes, o Brasil se classifica como o maior importador mundial, segundo dados oficiais de 2016 da Associação Internacional de Fertilizantes (IFA), a despeito de aparecer na quarta colocação do consumo dos adubos, atrás de China, Índia e Estados Unidos. Com cerca de 81% do volume consumido sendo derivado de importações – dentre os países mencionados, o Brasil apresenta o menor percentual de participação da indústria nacional no consumo – o custo de aquisição dos insumos está diretamente exposto à variação cambial, além das flutuações das cotações internacionais dos NPKs.

O custo “dolarizado”, como pode ser informalmente denominado, impacta diretamente a internalização dos produtos importados, e, desta forma, afeta a relação de troca (RT) dos adubos com as principais commodities agrícolas produzidas pelo país.

A despeito das trajetórias distintas das cotações dos principais adubos utilizados nas lavouras da soja – MAP recuou 15% no comparativo anual, enquanto o KCl avançou 11% – as relações de troca de ambos com a oleaginosa se mantiveram sustentadas nos últimos dois meses devido à desvalorização da moeda brasileira.

A relação KCl/soja Paranaguá atingiu 18,71 sacas/tonelada, sua máxima histórica em maio, coincidindo com a semana na qual o par dólar/real superou o patamar dos BRL 4,00. Na mesma semana, a RT entre o MAP e a oleaginosa alcançou sua máxima desde janeiro/19, em 19,9 sacas/tonelada.

Com o início do plantio da safra 19/20 de soja em setembro, os produtores passarão a acompanhar as cotações dos dois nutrientes mencionados, assim como suas respectivas relações de troca com o grão. A despeito de a desvalorização abrupta do real no último mês e meio, conforme mencionado anteriormente, favorecer a rentabilidade dos sojicultores considerando vendas para exportações, o patamar inferior da moeda brasileira, aliado a uma demanda mais aquecida – movimento esperado a partir de julho – pode encarecer a aquisição pelos produtores no segundo semestre.

Com os resultados da última safra de soja, apesar da pequena quebra, os produtores ainda se encontram razoavelmente bem capitalizados, o que deve favorecer a compra antecipada dos adubos, com destaque para o MAP, cuja relação de troca encontra-se em trajetória de queda devido aos preços mais baixos no mercado internacional. Não obstante, é esperada uma intensificação das vendas antecipadas aos produtores a partir da segunda quinzena de julho, antes da alta sazonal dos preços no Brasil.

Índia

Repercutindo a vitória eleitoral do primeiro-ministro Narendra Modi e a expectativa de que a economia indiana possa promover reformas econômicas, como aprimoramentos nas leis de falência e no sistema tributário e a privatização de estatais, a rúpia indiana recuperou-se entre o final de maio e o início de junho de 2019. A perspectiva de estabilidade política e de avanços na agenda legislativa de Modi apontam para um fluxo mais intenso de entrada de capitais estrangeiros na economia indiana, o que deve conferir suporte para a trajetória da rúpia nos próximos meses. Por outro lado, um aprofundamento do déficit comercial da Índia, como reflexo do encarecimento das cotações internacionais do petróleo—principal importação do país—, e uma deterioração do cenário global para as economias emergentes, são potenciais riscos para uma desvalorização da moeda indiana.

A Índia é o segundo maior mercado consumidor do complexo NPK do planeta, com 14% da participação, ficando atrás apenas da China, a qual concentra 26% do consumo global. O país importa aproximadamente 30% de sua demanda, volume que o coloca como terceira maior nação importadora – atrás apenas de Brasil e EUA. Nesse sentido, uma importante parcela de adubos é internalizada para suprir a demanda local, o que faz com que a movimentação do câmbio indiano se coloque como fator fundamental à dinâmica deste importante mercado.

Após atingir o piso das desvalorizações, em meados de outubro de 2018, a rúpia indiana segue em tendência de valorização, contudo, a taxa de câmbio ainda se encontra em campo bastante desvalorizado para os patamares históricos do país. Tal movimentação da rúpia pode desencadear um comportamento anômalo e específico do mercado indiano: a substituição de grupos de nutrientes, como fosfatados e potássicos, em favor do consumo de ureia.

O deslocamento do padrão de consumo fundamenta-se sobre a estrutura de concessão de subsídios vigente no país. Atualmente, o regime de custeios demarca um montante de recursos fixos aos nutrientes N-P-K-S para todo o ano financeiro (abril-março). Deste modo, como o valor subsidiado em rúpias por tonelada é previamente estipulado, a valorização do dólar diminui o percentual custeado pelo Regime de Subsídio Baseado em Nutrientes (NBS, na sigla em inglês), fazendo com que a compra desses nutrientes se encareça.

Por seu turno, os subsídios ao consumo de ureia são distintos dos demais, ao passo que o seu custo aos consumidores é fixo – o governo assegura o pagamento da diferença ao importador. Deste modo, ao contrário dos outros nutrientes, a variação dos preços internacionais (incluindo-se aqui o custo de internalização destes produtos) não repercute em variação dos preços no mercado doméstico, mas sim em ampliação dos dispêndios realizados pelo governo. Nesse sentido, a permanência da moeda indiana em patamares mais desvalorizados pode fazer com que os agricultores aumentem o consumo de ureia em detrimento dos demais – postura corriqueira no país – mesmo que nutricionalmente tal alteração não se justifique, e tende a prejudicar o nível de rendimento das lavouras das principais culturas da safra kharif no longo prazo (safras semeadas antes ou no início do período das monções indianas, como milho, arroz e algodão).

Esse cenário de substituição dos nutrientes pode ser agravado a depender das revisões dos programas de subsídios para o ciclo 2019/20, a ser realizado pelo governo recém reeleito do partido BJP de Narendra Modi. Com o Ministério de Fertilizantes acumulando déficits em seu orçamento devido aos auxílios e às licitações realizadas, o governo federal pode realizar uma redução no montante alocado para políticas envolvendo fertilizantes na Índia. A depender das medidas revisadas, o patamar dos subsídios pode ser alterado, impactando a tendência de consumo para a próxima safra.

China

Após apresentar desempenho robusto entre o ano de 2017 e a primeira metade de 2018, a atividade econômica global enfraqueceu-se de maneira considerável nos últimos meses do ano passado, com destaque para a China. Afetada pela redução na demanda por seus importados e pela insegurança dos investidores em ampliar seus investimentos e parcerias no país, a economia chinesa encontra-se em desaceleração e à espera de medidas de estímulo do governo de Pequim. Em vista do acirramento das tensões comerciais com os Estados Unidos, e das chances reduzidas de um acordo no curto prazo que remova completamente as tarifas impostas sobre os produtos chineses, as perspectivas continuam a ser de moderação na atividade econômica e de manutenção do yuan em um patamar mais desvalorizado.

Na China, o fertilizante potencialmente mais impactado pelas desvalorizações do renminbi é o enxofre. Ao concentrar cerca de 33% de todo o volume transacionado no mundo, o país detém o posto de maior importador global do produto. Apesar de produzir internamente grandes volumes da commodity (cerca de 17 milhões de toneladas em 2018¹), as importações (10,8 milhões em 2018²) correspondem a quase 40% da demanda interna.

Deste modo, a desvalorização da moeda chinesa atua como fator de encarecimento do insumo, com potencial impacto na elevação dos custos de produção de fosfatados no país. Contudo, o preço internacional da commodity, a qual baseia-se no balanço de oferta e demanda, coloca-se como questão fundamental à formação dos preços. No atual caso chinês, apesar das recentes desvalorizações do renminbi (incremento de 2,7% na taxa de câmbio desde o início de maio), a queda das cotações do enxofre no mercado internacional, ante o cenário de demanda arrefecida, torna a compra do insumo menos onerosa no curto prazo.

Geralmente, ao longo do mês de junho, o mercado chinês começa a puxar o preço do insumo, diante do maior abastecimento dos produtores de fosfatados no país. Contudo, atualmente, os estoques de enxofre nos portos chineses ultrapassam as 1,8 milhão de toneladas, sugerindo uma disponibilidade relativamente confortável no país – situação similar à verificada nos estoques de fosfatados.

Todavia, a combinação de um cenário sazonal de preços mais elevados no segundo semestre, combinado com desvalorizações do yuan pode construir uma perspectiva menos favorável às importações de enxofre no país – no limite, a ampliação dos custos para obtenção do insumo, pode se refletir sobre os preços dos fosfatados.

¹Segundo estimativa do USGS

²Dados do Trade Map

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