De janeiro a setembro de 2017, 2.463 veículos híbridos e elétricos foram emplacados no Brasil. Em mesma época do ano passado, eram 637 unidades; no acumulado entre 2012 e 2016, foram 3.400. Com o avanço das vendas de automóveis híbridos e elétricos no país, a participação desses veículos no total de emplacamentos subiu dos praticamente zero dos últimos anos para 0,2% em setembro.
Embora o aumento nas vendas deste tipo de veículo no Brasil tenha sido vertiginoso ao longo dos últimos meses, a participação destes no país ainda está muito longe do que já foi atingido em países desenvolvidos. O líder nesta estatística é a Noruega, onde esse número registrou 29% em setembro, levando em conta somente os veículos completamente elétricos¹. Em junho deste ano, o mês recorde no país, foram 42%.
Já nos Estados Unidos, estima-se que em 2017 a parcela dos elétricos nas vendas totais de carros novos chegue a 1,2%, enquanto os híbridos devem abocanhar 2,2% do mercado, resultando em uma participação total de 3,4% entre veículos híbridos e elétricos. Até na China, que também é um país em desenvolvimento, porém sofre com os altíssimos níveis de poluição em seus centros urbanos, estima-se que as vendas de veículos híbridos e elétricos chegue a 2,9% do total dos automóveis leves comercializados em 2017.
A “mão visível” do Estado
Mas se engana quem pensa que os noruegueses são tão adeptos aos carros movidos a baterias somente por conta do apelo ecológico desses automóveis, ou por conta da Noruega esbanjar a medalha de ouro no ranking de índice de desenvolvimento humano (IDH) — um indicativo de que a população é rica, saudável e bem educada.
O governo norueguês é altamente responsável por isso. Os veículos elétricos possuem diversos incentivos fiscais em comparação com os carros movidos a combustão interna no país, além de vantagens que vão de tarifas reduzidas ou nulas em pedágios, balsas e para estacionar em centros urbanos, a poderem transitar em faixas preferenciais de ônibus.
Em outros países, em especial na Europa, Estados Unidos, Japão e China, também há incentivos, embora em escala menor que os vistos na Noruega. No Brasil o único incentivo atual é a alíquota de imposto de importação reduzida, além de estímulos específicos em cidades como São Paulo e São Bernardo do Campo. Estes estímulos não revertem o fato, entretanto, de que os modelos elétricos e híbridos custam de 3 a 5 vezes mais que um automóvel popular movido a motor flex.
No atual cenário do mercado automotivo mundial, carros híbridos e elétricos só são vantajosos aos motoristas do ponto de vista econômico quando existem pesados estímulos governamentais envolvidos. Mas, como a tecnologia avança a passos largos, isso pode mudar em um futuro não muito distante, o que pode levar consumidores a preferirem estes ao invés dos carros movidos a combustão interna. Especialistas da Bloomberg estimam que já em 2026 todo o aumento nas vendas de automóveis no mundo seja proveniente de veículos elétricos, com as vendas de carros a combustão interna devendo apresentar quedas a partir de então.
E os investidores já estão apostando nisso. Neste ano, o valor de mercado da fabricante de carros elétricos Tesla — que ainda não lucrou um único centavo em seus 14 anos de existência — chegou a passar o valor de mercado das gigantes e lucrativas General Motors e Ford para ser a montadora mais valiosa dos Estados Unidos em abril, apesar de atualmente ocupar a segunda posição. Isso é um sinal de que o mercado acredita que os carros elétricos, mesmo ainda não sendo lucrativos às montadoras, são o futuro da indústria automotiva.
Ameaça ao etanol?
Com o aumento das vendas de carros elétricos ao redor do mundo, grande parte do mercado de energia teme um deslocamento grande da demanda por combustíveis para a eletricidade. Desta forma, combustíveis automotivos como a gasolina, o diesel e até o etanol teriam suas perspectivas de demanda futura reduzidas.
Além disso, como o carro elétrico é universalmente visto como mais ambientalmente correto que o movido a combustão interna (considerando o uso de combustíveis fósseis), muitos países têm mudado o foco de suas políticas ambientais do incentivo aos biocombustíveis para o apoio à eletrificação da frota. Neste sentido, muitos veem o veículo elétrico como a principal ameaça ao futuro do etanol.
Por mais que seja inegável a atratividade da eletrificação no mundo desenvolvido e em alguns emergentes, o Brasil ainda está distante dessa realidade. Com dimensões continentais — que dificultam a instalação de estruturas de abastecimento — baixo nível de renda da população e reduzida disponibilidade de capital para novos investimentos, os veículos elétricos ainda devem demorar a atingir fatia significativa do mercado de automóveis brasileiro.
Pioneirismo brasileiro
Nesse sentido, algumas empresas já trabalham em soluções que combinem as vantagens da eletrificação com o etanol. A montadora japonesa Nissan possui um modelo de minivan elétrica em fase de testes que funciona a partir de etanol e não precisa ser ligada na tomada, driblando um dos principais entraves à popularização de veículos elétricos em países emergentes: a infraestrutura insuficiente da rede elétrica. O automóvel foi montado e testado no Brasil, apesar dos principais componentes serem importados.
O veículo extrai moléculas de hidrogênio do etanol, que são usadas para geração de energia, que posteriormente é consumida por um motor automotivo elétrico comum. As vantagens, além da emissão de poluentes menor que carros movidos a combustão interna e da não necessidade de ser ligado na tomada, é a autonomia. A montadora diz que o veículo roda cerca de 600 km com 30 litros de etanol. E em comparação com automóveis movidos a base de células de hidrogênio, o custo é menor, pois não precisa de metais preciosos em sua construção (como a platina, por exemplo).
Já as desvantagens, são o preço, que ainda é estimado em cifras maiores que as de carros comuns, e o tamanho e peso do sistema que converte etanol em energia elétrica. O sistema pesa cerca de 250 kg e ocupa um espaço considerável, o que fez a Nissan optar por usar uma minivan nos testes, e não um veículo menor e mais comum nas ruas e avenidas brasileiras. A expectativa da montadora é que tanto o tamanho e peso do sistema conversor quanto o preço do automóvel sejam reduzidos ao longo dos próximos anos conforme a pesquisa avança. Espera-se que carros com esse sistema cheguem ao mercado em 2020, o que pode ser uma notícia animadora tanto para ambientalistas, quanto para produtores de etanol.
Matéria escrita por João Paulo Botelho, colaborador StoneX até outubro de 2019.